quarta-feira, 30 de maio de 2012

Ah, as Larvárias!

 
Bem, dando continuidade ao périplo das máscaras aqui estão as deliciosas Máscaras Larvárias. Essas máscaras não são, em sua origem, máscaras de teatro, mas máscaras de carnaval. Isso mesmo. As larvárias são naturais de Basel, na Suíça e têm esse nome por se tratarem de seres em formação (do radical larva).  Essas adoráveis criaturas – entre o humano e o animal – não se caracterizam exatamente como personagens, mas apontam direções de exploração para os atores. Literalmente.
Lecoq e Sartori, mais uma vez, é quem foram resgatar esse tesouro para o domínio teatral. Eles se deram conta, com toda razão, que os traços claros, simples e exagerados das larvárias apresentavam um excelente caminho de introdução ao universo das máscaras expressivas. Na década de 60 Lecoq foi buscá-las e as incorporou ao método pedagógico de sua escola. Suas linhas bem definidas permitem aos atores encontrar rapidamente um corpo possível para portá-las lhes proporcionando, de forma quase indolor e instantânea, a mágica de vibrar em harmonia com uma máscara.
E uma vez que essa mágica acontece, os atores são dominados por ela: o mundo mágico das máscaras se abre diante deles com suas infinitas possibilidades. Pensando bem, as Máscaras Larvárias, com essas carinhas inocentes e sua enorme generosidade são perfeitas aliciadoras! Mas que prazer ser “possuído” por elas!


domingo, 27 de maio de 2012

A Máscara no Trabalho do Théâtre du Soleil


Copio aqui trechos que selecionei da fala de Ariane Mnouchkine, sobre o uso das Máscaras em sua companhia, em entrevista à Odette Aslan:

 "(...)Utilizamos a máscara porque ela rapidamente se impôs. Se atores que querem improvisar no teatro contemporâneo não encontram rapidamente os meios de tomar uma certa distancia a fim de chegarem a uma forma, correm o risco de se atrapalharem de caírem no psicológico, no paródico, na derrisão e em outras armadilhas que nós queríamos evitar. Percebemos que a máscara impunha um tal trabalho sobre o signo teatral, sobre a maneira de representar as coisas, que ela constituía uma disciplina de base e esta disciplina tornou-se indispensável para nós.
(...)
Eu diria que a máscara é nossa disciplina de base porque ela é uma forma e qualquer forma impõe uma disciplina. O ator produz no ar uma escrita, ele escreve com seu corpo, é um escritor no espaço. Nenhum conteúdo pode exprimir-se sem forma. Existem várias formas, mas talvez para alcançar-se algumas delas, haja uma única: disciplina. Acredito que o teatro é um vaivém entre o que existe de mais íntimo em nós, de mais ignorado, e sua projeção, sua exteriorização máxima em direção ao publico. A máscara requer precisamente esta interiorização e esta exteriorização máximas. Um certo tipo de cinema e de telivisão habituou-nos ao “psicológico”, ao realismo, ao contrário de uma forma, portanto, ao contrário da arte: dispomos os atores num cenário, mas o palco não lhes pertence realmente. Enquanto que, com a máscara, eles criam seu próprio universo a cada instante. As grandes tradições teatrais, as grandes formas de representação utilizam a máscara (da tragédia grega aos teatros orientais).
(...)
No Théâtre Du Soleil, praticamos muitos exercícios com máscaras expressivas, para nós a máscara constitui a formação esencial do ator. A partir do momento em que um ator “encontra” sua máscara, ele está próximo da possessão, ele pode deixar-se possuir pelo personagem. Alguns sufocam, literalmente, ficam sem voz, sem olhos, sem corpo, aniquilados pela máscara. Outros a atravessam e esta travessia é dolorosa. Pede-se a eles que sejam “visionários” que encarnem poemas, imagens, visões, eles devem levar em conta tanto o  mundo exterior - aquele no qual se passa a peça e o espetáculo - quanto o seu mundo inferior - o do personagem. É uma tarefa cansativa, que não deixa intactos nem seu corpo, nem sua alma, uma tarefa atlética para o corpo, a imaginação, o coração e os sentidos.
(...)
No teatro, o corpo inteiro é a máscara. Não se pode dizer que o fato de usar uma máscara acarrete um ritmo particular. É o personagem - a máscara - que adquire seu ritmo interior, suscetível de variar segundo o estado ou a emoção. Também não se pode dizer que a utilização da máscara imponha tal ou tal movimento da cabeça e do pescoço. (...) Nunca pensamos em usufruir de algo já adquirido no domínio da máscara. A maior aquisição é saber que não há aquisições."

Dezembro de 1982


sábado, 26 de maio de 2012

Quem são os Deuses do cinema?


Sou, me considero, uma mulher do teatro. Cresci frequentando a coxia de um - o teatro Vila Velha, em Salvador, onde trabalha minha tia, atriz e diretora, Chica Carelli. Cresci decorando as falas de todos os personagens das peças em cartaz e divertindo os atores nos camarins, imitando à um ou à outro, a pedido dos mesmos. Cresci assistindo ensaios e peças da cabine de luz. Os avessos, as discórdias, as descobertas. Os dias em que os "Deuses do Teatro" (como diz meu professor e amigo Maurice Durozier, do Théâtre du Soleil) resolvem abençoar o palco, os dias em que Eles lhe viram as costas. Mas são Deuses e Dêmonios com quem aprendi a conviver e respeitar. Inventamos uma prece ou duas - seja com palavras ou silêncios - trabalhamos duro e confiamos que naquela noite, mais uma vez, a mágica irá acontecer.

Mas nesses últimos tempos tenho flertado com o cinema. Que, me parece, é regido por outras Criaturas, ou Criadores, outras Leis, ainda por mim desconhecidas. Estou em processo de ensaio de um longa. Faltam 20 dias para o início das filmagens e as vezes sou tomada por uma angustia sem forma. Na falta de um canal de comunicação direta com esses "Novos Deuses", ontem à noite, via skype, me apareceu um anjo. Outro amigo querido, William Nadylam, ligou de Londres, onde está em cartaz com "The Suit" de Peter Brook, ouviu minhas inseguranças e me respondeu: "Um ator nunca está pronto, está sempre aprendendo. Não se preocupe, no cinema, a câmera vem te buscar, aonde quer que você esteja do teu caminho, do teu aprendizado. Eles vêm atrás de você, do que eles querem, do que eles precisam para contar aquela história. Seja sincera, verdadeira e, sobretudo, mantenha-se calma."

Terá sido um Sinal?
Fui dormir no céu! 

sexta-feira, 25 de maio de 2012

Máscara Neutra

Bem, para dar início ao "Périplo das Máscaras" escolhi um belo exemplar da famosa máscara neutra, confeccionada por Amleto Sartori. 


Se quisessemos nos ater a uma coerência cronológia, mais justo seria começar pelas máscaras do teatro grego, ou melhor ainda, por máscaras tradicionais dos aborígenes de Papua Nova Guiné, ou tantos outros povos antigos que que as criaram e vereraram, com as formas mais loucas e dos materiais mais diversos como a própria humanidade. Mas às favas com a cronologia. Vamos seguir, antes, uma lógica moderna do estudo das máscaras aplicada ao trabalho do ator. Voltaremos à essas maravilhas da invencionice humana mais tarde. Por hora apresento-lhes essa jóia de pele de um dos maiores mascareiros do ocidente e, na minha opinião, a mais difícil das máscaras.

Entrei pelo teatro pela porta dos fundos, como palhaça, e a noção do neutro me acertou na cara, como uma bofetada. Fiz minha iniciação na máscara neutra justamente com uma máscara de Sartori - já que era necessário sofrer, que fosse em grande estilo!. Um exemplar realizado a pedido de seu amigo e colega Jacques Lecoq, para sua escola, em Paris. No primeiro exercício minha professora me disse: "Você aí, o que você está fazendo? Você parece uma velha de 70 anos!". Meu corpo estava marcado pelo trabalho de palhaço e, com a implacável máscara neutra colada ao rosto, a única coisa que se via em mim era a curva do torço, o pé esquerdo que levantava mais do que o direito quando eu caminhava, a tensão das mãos, enfim, todos os "tortos" que eu levara tanto tempo aflorando e assumindo para dar corpo à Clarabela - minha palhaça e companheira de alguns anos já. 

A volta ao neutro, no entanto, ou a tentativa de volta - já que o neutro é uma utopia e, por definicão, inalcançável- me ajudou a me libertar de mim mesma. Dos vícios e marcas do meu próprio corpo. Me limpando, me tornando como uma página em branco, quase nova, quase imaculada, pronta a abraçar o que viria pela frente. Este é o segredo e a riqueza da máscara neutra e, para mim, uma das mais duras lições do teatro.

quinta-feira, 24 de maio de 2012

A PORTA

Ontem, nos 45 minutos do segundo tempo (já que São Paulo está em clima de futebol), fui conferir a peça "A PORTA" da cia Troada, com direção de Vinicius Torres Machado - e recomendo. Eles encerram hoje a temporada no Teatro Sérgio Cardoso então, quem correr, ainda chega pros penaltis. As máscaras, confecionadas por uma das atrizes do grupo - Elisa Rossin - são notáveis e se prestam perfeitamente ao jogo proposto pela encenação. Com atores bem integrados e uma concepcão estética cuidadosa a peça nos arrasta para o universo onírico - ou "pesadelístico?" - de Franz Kafka. 

Como mascareira talvez minha opinião seja suspeita nesse campo, mas convenhamos, essas belíssimas máscaras inteiras - grandes professoras para qualquer ator! -, ao mesmo tempo exigentes e generosas, nos salvam da terrível verborragia que tantas vezes ameaça nossas noitadas teatrais. Gol da Troada!

A Porta

Cia. Troada reestreia o espetáculo A Porta no Teatro Sérgio Cardoso
A temporada segue até o dia 24, todas as quartas e quintas-feiras.

O Espetáculo A Porta, da Cia. Troada esta em cartaz no teatro Sérgio Cardoso, equipamento do Governo do Estado e Secretaria da Cultura. A peça de máscaras é livremente inspirada na obra de Franz Kafka. A proposta do grupo foi enfatizar os aspectos oníricos de sua criação e promete inovação na linguagem e na estética. A Porta fica em cartaz até o dia 24 de maio, sempre as quartas e quintas-feiras.

Com gênero tragicômico, todos os atores utilizam máscaras inteiras, sem fala, com traços caricaturescos da figura humana. O espetáculo conta a história de uma noite de insônia de Gregor, apresentando a comicidade da máscara em visita ao universo kafkiano. Nesse encontro, nasce um tipo de humor que tira sua força do “nonsense”, da brincadeira com o absurdo. As imagens labirínticas de Kafka possibilitaram uma encenação mais aberta, destacando também elementos que conferem à peça contornos de pesadelo. A porta do quarto de Gregor se transforma em uma passagem pela qual poderá voltar à realidade.

A concepção e direção são de Vinicius Torres Machado e a produção contou com o apoio do Prêmio Funarte Myriam Muniz de Teatro. O elenco é formado pelos atores Ana Caldas Lewinsohn, Beto Souza e Elisa Rossin. Os figurinos foram criados por Elisa Rossin e Eliseu Weide, que trabalha com importantes produções europeias de ópera e teatro, incluindo as companhias alemãs Berliner Ensemble e Cia. Familie Flöz, de Berlim.

A Cia. Troada, de São Paulo, é integrada por artistas formados pela USP e Unicamp, que pesquisam a linguagem da máscara desde 1999, em seus mais diversos trabalhos. As máscaras do espetáculo, confeccionadas por Elisa Rossin, atriz e mascareira da Cia., são inspiradas na estética da Familie Flöz, referência alemã do teatro de máscaras mundial.

A Porta - Teatro Sérgio Cardoso
Rua Rui Barbosa, 153, Bela Vista
Telefone (11) 3288-0136
Apresentações: quartas e quintas-feiras, às 21h
Temporada até o próximo dia 24 de maio
Sensura:  14 anos
Lotação: 144 lugares
Quanto: R$ 20,00 R$ 10,00 (meia)
Ingressos: a venda na bilheteria do teatro e pelo site Ingresso Rápido (http://www.ingressorapido.com.br
Fonte: Assessoria de imprensa - SEC
Data: 14/05/2012

quarta-feira, 23 de maio de 2012

Boas Vindas

Caríssimos, 

inicío na madrugada de hoje, oficialmente, este blog, que já há algum tempo buli em mim. A idéia nasceu durante o último curso de teatro de máscaras que ministrei em Recife, a convite o Coletivo Angu de Teatro, no Espaço Experimental, em março deste ano. Gostaria de criar aqui um espaço de reflexão sobre o fazer teatral em suas diferentes formas, a partir da minha experiência. Um espaço de diálogo e troca pra lá da sala de aula, das salas de ensaio, das conversas de bar e da ligeireza do facebook. Nosso carro chefe será o teatro, mas o cinema, e eventualmente outras formas de arte, também estão convidadas a participar na medida em que  contribuirem para nossa caixa de ferramentas.

Decidi chamá-lo "Bôite à Outils" não por esnobismo, mas por que a inspiração me veio assim. Já que defendo que coloquemos em nossa caixa tudo aquilo que nos puder ajudar: as figuras do cavalo marinho, as máscaras balinesas, o Nô, a caveira de Hamlet, excercícios do mestre Lecoq, brincadeiras de palhaço, Arlequins e Pantalones, lições de Brook...  porque não um nome em francês? Nosso terreno de experimentação é o mundo, então: sejam bem vindos. Como diria um amigo meu: "fique à vontade, puxe uma cadeira e sente no chão".

Com amor,
Rita.