sábado, 16 de junho de 2012

Sobre a importância da permanência

Há três dias de entrar no set de "Permanência", primeiro longa de Leonardo Lacca, encontro com dificuldade alguma concentração para escrever. Estávamos, há sete anos atrás, eu, Irandhir Santos, Leo, Marcelo Lordello e outros no set de "Décimo Segundo", em Recife, com nenhum dinheiro e cheios de gana, rodando o que viria a ser a semente desse longa que agora iniciamos. Hoje, apesar da distância que separa os dois trabalhos (de tempo, amadurecimento, profissionalismo, estética, narrativa), de tantas outras pessoas que foram incorporadas ao projeto, faço um brinde a "Décimo". Esse curta que nos rendeu tantas alegrias, vaias, aplausos, que nos pagou, figurada e literalmente, em prêmios. Esse filme que foi feito pelo desejo de ser feito e nada mais. Que nos ensinou tanto, que me rendeu uma gastrite (depois de tantos cigarros e cafés em um único dia!) e amizades que me são tão caras.

Nem todo mundo conhece a curiosa história desse curta. Pois bem, vou contá-la. Trata-se de um filme com apenas 3 planos. Dois que podemos chemar de "introdutórios" e um longo plano de aproximadamente 12 minutos. Este plano foi repetido durante as 12 horas de set, o que nos rendeu - com os ajustes entre cada um deles e o desconto dos outros 2 -  12 repetições. Juro! Entramos no set cerca de 5 horas da manhã  e, próximo das 5 da tarde, Leo ainda não estava satisfeito. A luz já começara a cair e tínhamos uma última chance para acertar nossa coreografia de atores e câmera, fios e intenções. Era o décimo segundo take. Quando terminamos a cena - que contava com Irandhir subir correndo tantos lances de escada e chegar na hora certa, Marcelo subir com a câmera esses mesmo andares de elevador filmando, sem incidentes, eu preparar um café na moka, sair de quadro, prender o cabelo e voltar no tempo exato de tirar o café do fogo - e Leo nos olhou e disse o tão esperado "valeu", um alívio geral e uma enorme alegria tomou conta de nós. É este plano que está no filme.

E, apesar de termos afastado de nós a memória do curta durante o processo de preparação do longa (para sermos capazes de criar algo novo, que faça sentido para todos os que estão nesse filme de agora, que os inclua, que incorpore nossas transformações pessoais) é com essa lembrança que vou pisar no set na quarta-feira. Com essa lembrança de confluência do cosmos, de alguma sorte, algum tipo de benção, mas também de parceria e trabalho intenso. Leo me disse que se sente privilegiado por estar estar fazendo seu filme, por ter chegado até aqui, por ver tantas pessoas trabalhando para que ele dê certo. Isso mê fez lembrar de tudo isso. Da parte bonita e anedótica da história, mas também dos 5 anos que ficamos tentando financiamento para o filme, das longas conversas em que eu tentava reanimar o Leo a tentar de novo, em que revíamos a justificativa do projeto, em que ele cogitava transformar completamente o roteiro para ser mais palatável aos jurados de tal ou tal edital e eu pregava que ele deveria defender o filme em que acreditava, que só valeria a pena se fosse assim. E digo: somos privilegiados, sim, mas também somos merecedores. Um brinde a "Décimo" e um a... "Permanência"!



domingo, 10 de junho de 2012

Na oficina de Mestre Erhard

Há cerca de três anos eu andava em Paris, absolutamente apaixonada pela descoberta das máscaras, e o querido Maurice Durozier me conseguiu um encontro com Erhard Stiefel, mestre de máscaras do Théâtre du Soleil. Cheguei na Cartoucherie, sede da companhia, pelo menos meia hora antes do combinado. Estava ansiosa para encontrar esse grande mestre de máscaras, mas também queria aproveitar a desculpa de ter um conpromisso por lá para perambular um pouco por esse espaço mágico de trabalho e criação. 

Os atores e técnicos estavam em plena construção dos cenários do último espetáculo da trupe: Os Náufragos da Louca Esperança. Encontrei alguns conhecidos: um ex-colega da minha turma de escola de teatro (Jacques Lecoq), uma ou duas estagiárias brasileiras que trabalhavam ajudando na oficina, uma atriz amiga minha, Maurice, claro, e outros artistas que eu admirava do palco. O clima era festivo, mas ressendia a suor e trabalho duro. Enchi os pulmões daquele ar e fui bater na oficina do Mestre Erhard. Ele também parecia atarantado com tantas demandas de última hora, imitava Ariane de um jeito cômico: "Erhard, só você sabe fazer isso, Erhard, só você pode fazer aquilo!" E completava: "Mas no final, eu não posso resistir a nada do que ela me pede! O que é eu posso fazer? São tantos anos juntos, isso parece um casamento!" Me olhou. "Bem, você deve ser a Rita, me passe aquela lata de verniz." E foi assim que começaram as valiosas lições de Erhard.

Ele acabara de chegar do Japão, onde estivera à convite, reproduzindo algumas rarríssimas e valiosas máscaras do teatro Nô. Estava indisfarçavelmente orgulhoso de sua tarefa e falava enquanto trabalhava: "Nunca tinham deixado um estrangeiro a sós com aquelas máscaras, nunca!". Contou que teve que pedir uma mesa para trabalhar, pois o tatame estava acabando com as suas costas, mas que tinha ficado satisfeito com o resultado. Depois de algumas horas de trabalho e prosa ele me olhou de alto abaixo e voltou com três sacos de tecido. Me estendeu o primeiro. Quase caí pra trás quando vi que era uma das réplicas do tesouro nacional japonês na qual ele andara trabalhando tanto! "Cuidado!" - gritou ele à sua maneira enérgica. "Trouxe elas para pintar aqui, mas não encoste o dedo na madeira, pois a gordura do seu dedo vai isolá-la da pintura com porcelana, entendeu?!". E eu? Bem, eu acatava cada uma de suas ordens com um sorriso de orelha à orelha! Afinal, mestre é mestre!



sexta-feira, 8 de junho de 2012

Na Corte da Rainha

Durante o segundo semestre de 2011 tive a oportunidade de acompanhar várias oficinas ministradas pelos artistas do Théâtre du Soleil no Brasil. Foi durante um estágio no SESC Belenzinho, em São Paulo, ministrado por Duccio Bellugi e Eve Doe Bruce, que eu entrei em contato pela primeira vez com uma máscara balinesa de Topeng. Na vespera tínhamos trabalhado com Serge Nicolaï e Olivia Corsini, um treinamento inspirado nas marionetes japonesas, e, antes disso, com Maurice Durozier e Juliana Carneiro da Cunha, sobre as noções de coro e corifeu, mas foi o encontro com as máscaras que mais me marcou.

Faltando pouco tempo para o fim da sessão de trabalho, depois muitas horas de treinamento físico e improvisação, Duccio e Eve dispuseram cuidadosamente as máscaras sobre um tecido e pediram 3 ou 4 voluntários para experimentá-las. Era o momento que eu tinha esperado durante todo aquele dia. Levantei-me de um salto e consegui estar entre os escolhidos numa audiência de mais de cem pessoas.

Nos foram oferecidas máscaras de bondrés,  ou seja, os personagens cômicos do Topeng, os personagens vulgares, do povo. Dizem que é a máscara que nos escolhe e não o contrário, e é verdade. Quando eu vi entre elas aquele jovem senhor desdentado, de olhos esbugalhados... eu me apaixonei! Tudo que eu queria era estar a seu serviço, dar-lhe um corpo, emprestar vida aos seus anseios. Nós, porém, não tínhamos o direito de vestir as máscaras: trabalhávamos segurando-as com a mão direita, com um pano envolvendo nosso braço. Mas assim mesmo respirando com elas, olhando com elas, vivendo através delas.

Foi quando Duccio me apontou e disse: "Você, para trás!" Não entendi sua intenção, mas tive a sensação de que algo importante estava prestes a acontecer. Me retirei da cena e logo Eve veio se juntar a mim. Começou a me vestir com uns tecidos e diante da minha surpresa ela disse, com um sorriso: "Sim, você terá o direito de vestir a máscara". Meu coração começou a bater mais forte e, quando a cortina se abriu eu era um camponês apaixonado pela rainha se apresentando diante da corte para uma louca declaração de amor. Duccio dizia: "Sim! Sim!". E me alimentava com estados de alma e poderações que "o" levavam (a máscara) do deleite completo ao pânico absoluto.

 A cena deve ter durado não mais do que 5 minutos (o tempo que faltava para o fim do estágio) mas a mágica daquele instante me grudou na pele, como uma tatuagem. São esses preciosos momentos de teatro abençoados pela graça dos quais nos lembraremos para a vida inteira.



Duccio Bellugi Vannuccini é diplomado na escola de Marcel Marceau, estudou nada mais nada menos do que com Pina Bauch, Jaques Lecoq, Etienne Decroux, Annie Fratellini e integra o Théâtre du Soleil desde 1987.

quarta-feira, 6 de junho de 2012

Improvisação com Máscaras Balinesas, por Stephane Brodt







"Sobrevivente de uma época em que o teatro era apresentado em praças públicas, a máscara é um instrumento de formação essencial para o ator. As regras que se aplicam a esta forma teatral convidam o ator a entrar numa cena vazia, tendo como único recurso o corpo, a imaginação e a emoção. Seu modo improvisado rompe com a interpretação naturalista e psicológica e desenvolve a imaginação, a presença cênica e o engajamento físico do ator.

O teatro de máscaras balinesas, o topeng, é um teatro dançado e cantado, que se situa entre o sagrado e o profano. Ele é constituído por personagens nobres e vários personagens cômicos, os bondrés. Apesar da distância cultural e geográfica, a tradição italiana e balinesa de teatro de máscara apresentam inúmeras semelhanças. A força das máscaras balinesas é que elas pertencem a uma tradição que não se degradou. A qualidade da escultura e a habilidade do jogo dramático permanecem intactas.

Em curso, não procuramos trabalhar segundo a tradição balinesa mas, ainda que guardando suas próprias características, as máscaras são colocadas à serviço de um teatro e de histórias que pertencem a nossa cultura. A precisão física, a simplicidade e a sinceridade do jogo com máscaras, preparam o ator para abordar qualquer forma teatral."

Stephane Brodt

é diretor e ator do AMOK TEATRO, no Rio de Janeiro. Formado na Escola Catherine Brieux (Comédie Française), estudou na Escola Internacional do Mimodrama de Paris - Marcel Marceau e na Escola de Mímica Corporal Dramática de Paris onde trabalhou a técnica de Etienne Decroux. Em 1991, ingressou na Cia Théâtre du Soleil, e, sob a direção de Arianne Mnouchkine, participou dos espetáculos “Iphigenie”, “Agamemnon”, “Les Eumenides” entre outros. Entre 1991 e 1997, passou várias temporadas em Bali estudando com mestres diferentes estilos de Topeng (teatro tradicional de máscaras) e escultura de máscaras. Em 1994, fundou na França o Toko Teatro e dirigiu o espetáculo “Conteurs”. Em 1998, fundou, com Ana Teixeira, a Cia Amok Teatro. Com o monólogo “Cartas de Rodez” (1998) recebeu o Prêmio Shell de Melhor Ator. Em 2003, com “Macbeth”, de Shakespeare, interpretou o papel título. Em 2008, com o “O Dragão”, foi indicado ao Prêmio Quem de Melhor Ator. Atualmente é curador do ECUM - Encontro Mundial das Artes Cênicas.

terça-feira, 5 de junho de 2012

Neutro Feminino e Neutro Masculino?

Apenas a título de informação, respondendo a algumas demandas, a imagem de máscara neutra, reproduzida no post "Máscara Neutra" é feminina. Sim, o neutro têm feminino! E masculino, evidentemente. O ator, ou a atriz, ao buscar a "neutralidade", vai tentar aproximar-se do neutro com o seu corpo, a partir de suas caractarísticas essênciais (humano, feminino ou masculino). A mulher que portar uma máscara neutra vai interpretar A Mulher. O mesmo sendo válido para os homens. Reproduzo abaixo um casal de máscaras neutras, também de Amleto Sartori:



segunda-feira, 4 de junho de 2012

Clowns de Shakespeare


Ontem fui assistir ao espetáculo "O Capitão e a Sereia" do gurpo "Clowns de Shakespeare", de Natal. Eles vieram a São Paulo no contexto do projeto de ocupação da Funarte: "Nova Cena Nordestina". A má notícia é que a temporada do belíssimo espetáculo dos Clowns de Shakespeare - inspirado no livro honônimo de André Neves e dirigido por Fernando Yamamoto - terminou ontem. A boa notícia é que o projeto segue agora com o grupo "Magiluth", de Recife e recebe em seguida "A Outra Companhia de Teatro", de Salvador (com a qual colaborei durante dois anos).

Mas quem nunca assistiu os Clowns em ação, ou quem, como eu, é fã, não precisa se descabelar: eles voltam já com o esperado "Sua Incelença, Ricardo III", com direção de Gabriel Villela. Estarão em cartaz a partir do final de julho no SESC Belenzinho. Só digo que estarei aguardando ansiosamente esse Shakespeare nordestino, de palhaços mambembes e carroças ciganas, entre o sertão e a Inglaterra Elizabetana... Que venham! 




"Mil corações batem vivos em meu peito. Avançai, estandartes nossos! Lançai-vos sobre o inimigo! Que nosso velho brado de coragem, “por São Jorge”, nos inspire com o alento de dragões de fogo!" 
(Ricardo III, de William Shakespeare)