sexta-feira, 8 de junho de 2012

Na Corte da Rainha

Durante o segundo semestre de 2011 tive a oportunidade de acompanhar várias oficinas ministradas pelos artistas do Théâtre du Soleil no Brasil. Foi durante um estágio no SESC Belenzinho, em São Paulo, ministrado por Duccio Bellugi e Eve Doe Bruce, que eu entrei em contato pela primeira vez com uma máscara balinesa de Topeng. Na vespera tínhamos trabalhado com Serge Nicolaï e Olivia Corsini, um treinamento inspirado nas marionetes japonesas, e, antes disso, com Maurice Durozier e Juliana Carneiro da Cunha, sobre as noções de coro e corifeu, mas foi o encontro com as máscaras que mais me marcou.

Faltando pouco tempo para o fim da sessão de trabalho, depois muitas horas de treinamento físico e improvisação, Duccio e Eve dispuseram cuidadosamente as máscaras sobre um tecido e pediram 3 ou 4 voluntários para experimentá-las. Era o momento que eu tinha esperado durante todo aquele dia. Levantei-me de um salto e consegui estar entre os escolhidos numa audiência de mais de cem pessoas.

Nos foram oferecidas máscaras de bondrés,  ou seja, os personagens cômicos do Topeng, os personagens vulgares, do povo. Dizem que é a máscara que nos escolhe e não o contrário, e é verdade. Quando eu vi entre elas aquele jovem senhor desdentado, de olhos esbugalhados... eu me apaixonei! Tudo que eu queria era estar a seu serviço, dar-lhe um corpo, emprestar vida aos seus anseios. Nós, porém, não tínhamos o direito de vestir as máscaras: trabalhávamos segurando-as com a mão direita, com um pano envolvendo nosso braço. Mas assim mesmo respirando com elas, olhando com elas, vivendo através delas.

Foi quando Duccio me apontou e disse: "Você, para trás!" Não entendi sua intenção, mas tive a sensação de que algo importante estava prestes a acontecer. Me retirei da cena e logo Eve veio se juntar a mim. Começou a me vestir com uns tecidos e diante da minha surpresa ela disse, com um sorriso: "Sim, você terá o direito de vestir a máscara". Meu coração começou a bater mais forte e, quando a cortina se abriu eu era um camponês apaixonado pela rainha se apresentando diante da corte para uma louca declaração de amor. Duccio dizia: "Sim! Sim!". E me alimentava com estados de alma e poderações que "o" levavam (a máscara) do deleite completo ao pânico absoluto.

 A cena deve ter durado não mais do que 5 minutos (o tempo que faltava para o fim do estágio) mas a mágica daquele instante me grudou na pele, como uma tatuagem. São esses preciosos momentos de teatro abençoados pela graça dos quais nos lembraremos para a vida inteira.



Duccio Bellugi Vannuccini é diplomado na escola de Marcel Marceau, estudou nada mais nada menos do que com Pina Bauch, Jaques Lecoq, Etienne Decroux, Annie Fratellini e integra o Théâtre du Soleil desde 1987.

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