terça-feira, 4 de dezembro de 2012

"DÔ"

                                                                       foto: João Meirelles

Vim para Salvador assistir a estréia do novo espetáculo do Bando de Teatro Olodum. Trata-se de DÔ, uma criação dirigida pelo célebre dançarino de Butô Tadashi Endo. A montagem, feita em tempo recorde, reflete a força desse encontro inusitado e feliz:  a energia e carisma dos atores negros do  Bando e a melancolia e profundidade do universo  do Butô. "Dô" é uma palavra japonesa que significa "movimento", mas o título, no Brasil, e mais especificamente na Bahia, ganhou outros significados: “dô” de “dor”, “dô” de “dou.” 

Quando vi a  peça pela primeira vez fiquei imersa em  suas imagens, o universo ora terrestre, ora lunar, construído por Tadashi, a beleza dos corpos dos atores. Só depois o espetáculo foi ganhando para mim ares mais narrativos. Uma história de exilados, retirantes, refugiados, que, através da força e de sua história pessoal, tentam impor sua individualidade no ambiente hostil que passam a ocupar.

As metáforas da catástrofe, tão comuns ao Butô, tem aqui, apesar de tudo, cores vivas e formas alegres. O espaço arrasado é uma pscina de bolas onde, pouco a pouco, os indivíduos redescobrem o prazer e, através de uma nova pele, reencontram uma forma de harmonia coletiva. Passado o estupor da trégua, a realidade recai sobre os corpos que se esforçam para se reconstruír. Pouco a pouco, os movimentos se tornam mais fluídos e humanos e, apesar das sequelas, as pessoas ali reunidas acabam por se reconciliar com o espaço urbano através de uma apropriarção da cidade por via de seus corpos e do espaço que eles ocupam: tanto físico quanto simbólico. 

Por beber do Butô a peça, impreterivelmente, nos faz pensar na segunda guerra mundial e na bomba atônica, mas nos remete, mais recentemente, ao terremoto, ao tsumani e a catástrofe nuclear que abalou o Japão em 2011. Simultaneamente é capaz de nos trazer à realidade das cidades brasileiras e seu frágil equilíbrio social. Belo.

O Bando de Teatro Olodum conta com 20 anos de atuação e faz parte da história do teatro baiano. A companhia, residente do Teatro Vila Velha, é formada por atores exclusivamente negros, é uma das poucas a manter um corpo estável, com elenco, diretores e técnicos. Em sua trajetória, o Bando construiu e consolidou uma dramaturgia e estética próprias, tendo o negro e sua tradição sociocultural como matéria-prima de seus espetáculos.

Tadashi Endo é diretor do Mamu Butoh Center e do Mamu Butoh-Festivais em Göttingen (Alemanha). É, atualmente, o principal divugador de Butô no Ocidente. Foi discípulo do mestre Kazuo Ohno. O butô é uma forma de dança-teatro que surgiu no Japão pós-guerra. Criada por Tatsumi Hijikata e Kasuo Ohno, que ganhou o mundo a partir da década de 1970.

domingo, 2 de dezembro de 2012

"A imaginação é um músculo que se trabalha"

Depois de algum tempo sem postar nada nesse blog volto em grande estilo para falar da conferência “Palavra de Ator” e do lançamento do livro homônimo do meu amigo e professor Maurice Durozier, do Théâtre du Soleil. Posso parecer suspeita para falar do tema (é a quarta vez que a assisto: estava na estréia, nas tentativas de versões mais longas e mais enxutas, em Recife, em Natal, no Rio, em São Paulo, nos bastidores...) mas asseguro que é uma bela e importante experiência.
Maurice fala de forma franca e divertida sobre o oficio do ator, as dúvidas e angústias que nos perseguem. E, confesso, é bom ouvir um grande ator descrevendo  o terror dos primeiros anos de carreira, atrás das cortinas, instantes antes de entrar em cena, ou de improvisar diante de sua diretora (o que Ariane Mnouchkine chama de “pânico sagrado”!).  E nos dá lições preciosas: “para ser ator, é necessário manter aberta a porta da infância” e (parafraseando Ariane) “a imaginação é um músculo que se trabalha”.
Sobre a conferência, nas palavra de Maurice: “A minha família já fazia teatro há quatro gerações e então eu caí nesse mundo quando era bebê. Não gostava de estar no palco: gritava, chorava, contaram-me depois. Fui criado por meus avós, que eram atores e, em casa, não havia separação entre as coisas da vida e do teatro. Depois, quando voltei a fazer teatro, com 16-17 anos, entrar no palco era como estar na minha casa. Mais tarde entrei nesse grupo. Nele fazemos peças muito longas. Portanto são horas e horas nesse outro mundo. No outro lado do espelho. Nesse mundo vivo tudo que tenho que viver como ator, mas, saindo do palco, sensações, reflexões, pensamentos, crônicas, sempre chegavam e pensei que agora era o momento para falar disso: da vida do ator a partir do interior, do que está acontecendo dentro dele.”

Maurice Durozier,
como ator do Théâtre du Soleil, participou de espetáculos como “Richard II”“La nuit des rois”, “Henry IV” de W. Shakespeare, “Les Atrides” de Euripide et Eschyle entre outros. Na própria companhia a “Les voyageurs de la nuit”, escreve, dirige e atua. “Kalo”, uma peça sobre ciganos, recebeu o prêmio Villa Médicis hors les murs 1993. Orientou oficinas e cursos em países como França, Brasil, Argentina, Espanha, Afeganistão. Atuou no cinema em filmes como “En un mot”, de Jacques Rouffio (1985), “Les éphémères”, de Ariane Mnouchkine (2009) entre outros.

O livro Palavra de Ator, de Maurice Durozier, foi impresso pela Cepe e editado pela Prefeitura do Recife. Assim, quem não puder assisti-lo em suas andanças pelo país poderá ter acesso ao texto integral da conferência. A primeira parte é composta pelos capítulos: “A ilusão e a verdade; “O nascimento do ator”; “O sagrado”; “O teatro novayorkino” e “O teatro e a vida”. A segunda parte trata de temas como o teatro indiano, o narcisismo, as emoções, os momentos de revelação artística e o impacto da vida sobre a arte.