quinta-feira, 9 de maio de 2013

O Teatro e o Palco

"Nossa vida é suja e grosseira. É uma grande felicidade quando o homem, nesse mundo imenso, encontra uma casa, um apartamento ou mesmo um simples metro quadrado, onde ele pode, por nada além de um momento, se isolar do resto do mundo e se alimentar de sentimentos elevados e de impulsos de alma. Esse local limpo, talvez o altar para o eclesiástico, a universidade, a sala de conferências ou a 'cadeira' para um professor, a biblioteca, seu posto de trabalho ou um laboratório para um cientista e para um pintor, seu ateliê, para a mãe afetuosa, o quarto do seu filho, para um ator: o teatro e o palco.
Devemos proteger esses locais santos de tudo o que poderia poluir nossas alegrias espirituais. Não devemos sujá-los, nem enlameá-los. Pelo contrário. Devemos levar para esses lugares tudo o que há de melhor na alma humana. É espantoso, mas no teatro, observamos nos atores, por vezes, o movimento inverso. Eles levam para o teatro todos os seus sentimentos ruins, eles sujam e enchem de lama o local que deveria continuar limpo para a felicidade deles, e em seguida, eles se espantam que a arte e o teatro não tenham mais nenhum efeito sublime sobre eles. Se é assim, é por causa da ausência de toda disciplina artística. Antes de tudo, essa última deve conservar no ator o respeito pelo lugar e a estima com relação ao seu trabalho. Não podemos cuspir no altar e em seguida rezar sobre seu solo sujo. Talvez seja melhor cuspir antes de ir ao templo, depois se enxugar e chegar totalmente limpo, lá onde a beleza física e espiritual é indispensável.
Para que seja assim, devemos antes desenvolver no aluno o respeito pelo teatro e a estima da cena, do mesmo modo que um altar. O ator deve sentir o limiar e a proximidade da cena. Desde a infância somos fascinados pelo altar e pelas 'portas reais'. Não podemos transpô-los sem um certo medo. Isso, o ator deveria sentir desde que ele pisa em cena."

Constantin Stanislavski
Notas Artísticas (trecho)

*esse texto costuma ser lido antes de algumas oficinas do Theatre du Soleil.

sexta-feira, 26 de abril de 2013

O trabalho de Jacques Lecoq por Lúcia Romano

"Lecoq conheceu o trabalho de Decroux e teve contato com fontes semelhantes às dele, no período de trabalho na Itália e nos anos de aprendizado e criação na França. Investigando o mesmo universo que o mestre da mímica corpórea, no que diz respeito à geração no palco da presença (o aqui/agora material) do corpo do ator, por meio do emprego de signos não convencionais, Lecoq colaborou para a expansão das fronteiras da mímica. John Daniel ressalta que isso ocorre também porque seu método enfatiza a inspiração nascida do contexto social, ao invés da busca pela perfeição do movimento apenas no treino solitário do artista.

A superação dos limites da mímica, em favor do livre emprego da imaginação e da expressividade do ator, propostas por Lecoq, foi relevante não só para a mímica, mas principalmente para o teatro. De acordo com o mestre, o que caracteriza a mímica e melhor exprime suas potencialidades comunicativas e artísticas não é a ausência de textos falados, mas a geração de um corpo expressivo que emprega o visual e o sonoro, numa revalorização do silêncio e do som: o visual é meio e não fim para o estabelecimento da presença expressiva do ator.

Também as máscaras, tanto nas tragédias e comédias gregas como na comédia italiana, auxiliam essa presença, porque implicam na reestruturação da exprssão do som e do corpo. "Não há conflito entre a palavra e o silêncio; o silêncio dá à palavra sua profundidade. Um discurso que ignorasse a qualidade do silêncio não passaria de verborragia".

No ensino da École Jacques Lecoq, muitas premissas do Teatro Físico estão presentes: são exemplares a estilização como recurso natural da linguagem do movimento e da cena; o emprego da improvisação; o resgate de formas populares como o melodrama e o clown; o emprego da mímica (com ou sem o acompanhamento do texto falado); a contraposição do estilo do bufão à personagem psicológica; a fusão de estilos; a ênfase no processo de criação e a aposta no processo colaborativo - desde 1968, os alunos praticam autocours, quando novamente trabalham as improvisações feitas em aula e desenvolvem em conjunto os aspectos técnicos e artísticos da performance.

O fundamental, entretanto, está na ampliação da função do ator, convertido em criador do espetáculo e não apenas intérprete de um papel: quando a autoria da obra é democratizada, o ator-intérprete é substituído pelo ator-criador, um ator consciente de suas ferramentas expressivas, treinado na linguagem do teatro corporal e maduro para capitanear o processo criativo. O corpo do ator-criador, recriando-se na relação com o espaço, espelha as estruturas do drama, a construção arquitetônica do fenômeno teatral que ele faz efetivar.

A influência de Lecoq é marcante não pela determinação de um modelo de espetáculo, mas na intenção criativa que impulsiona os espetáculos e dá unidade à diversidade de resultados do Teatro Físico. Os grupos assemelham-se na eleição de um processo criativo que reiventa as formas teatrais por meio da exploração do repertório expressivo do ator, nos seus aspectos gestual e vocal. Assim, cada artista ali formado pôde explorar a mímica e o teatro, em direção a um terreno que mistura as duas linguagens, oferecendo sua própria versão dos princípios de Lecoq."



Lúcia Romano
Extraído, e um pouco reduzido, de "O Teatro do Corpo Manifesto: Teatro Físico", Editora Perspectiva/2008.

segunda-feira, 18 de março de 2013

Oficina de Teatro de Máscaras, com Rita Carelli


Foto de João Milet Meireles

Viva! Vou ministrar um curso de teatro de máscaras no SESC Sto Amaro!
Começa dia 25/04 e segue até 06/06. Serão 6 encontros envolvendo os princípios corporais do teatro de máscaras, máscaras larvárias e improvisações com máscaras expressivas. Sempre às quintas-feiras à noite.
Aqui no blog você pode ler um pouco mais sobre o meu trabalho, reflexões e  referências artísticas e claro, trocar ideias sobre teatro de máscaras e criação artística de uma maneira geral. 
São todos muito bem vindos, a caixa está sempre aberta e as ferramentas à disposição!



Foto de Brenda Lígia Miguel da minha última turma delícia, 
no Espaço Coletivo, em Recife, PE.


Serviço: Oficina de Teatro de Máscaras com Rita Carelli
Local: SESC Santo Amaro, Rua Amador Bueno, 505, São Paulo
Horário: das 19hs as 21h30
Ivestimento: 20 (inteira) 10 (meia) ou 5 (comerciários) reais

quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

"Doncovim, Proncovô"

Dia 16 de fevereiro estréia o espetáculo do amigo Ricardo, que me pediu para dirigi-lo e ainda encomendou um texto. Queria falar do seu amor pela roça, para os pequenos. Como, onde, porque? Não sabia bem, mas sendo artista de circo era bom que tivesse saltos, malabares, mágicas e outras peraltices! Disse sim. Também não sei ao certo o porquê. Talvez pelo mesmo motivo dele, esse que nos compele a mexer, nos meter em enrrascadas e, lá no fundo delas, encontrar um tesouro, mais precioso do que agente poderia prever. O tesouro pode ser: um galinho seco, uma pedrinha, uma asinha de mosca. No caso de peça: um tropeço que faz rir, um acorde que soa bonito, um cansaço no canto da boca que traduz, sozinho, aquilo que agente queria dizer.

No começo sofri - como é do meu feitio! - fui falar com meu avô, que é artista (e caipira!) : 
- Vô, conta pra mim, como é que faz arte de encomenda?
- Uai, mas aí eu vou ter que te contar a história da Arte! Encomenda sempre foi motor de artista...
É verdade. E toca ler Guimarães Rosa, e toca ver filme de Mazzaropi e toca ver Marvada Carne, e toca aprender história de saci, de mula-sem-cabeça, dormir debaixo de estrela. E toca aprender uma infância que eu mesma não tive, mas que surpresa: se inventou inteira dentro da gente! E o trabalho do artista não é mesmo esse: virar solo pra plantar semente?

Mas falar do trabalho dos outros é mais fácil do que falar do próprio trabalho. Falar do trabalho dos outros é mais fácil (os críticos que me perdoem) do que fazer o próprio trabalho. Empresto então palavras de Manuel, não porque acho que traduzem o nosso trabalho - longe disso! - mas por que traduzem, um pouco, do  nosso sonho. Dessa visão primeira que, para mim, enquanto diretora, faz nascer uma peça: neste caso uma luz de amanhecer, um pio de coruja, um canto de galo, um cheiro de café e estrume. O resto são percalços.  

Sou aquele
que gastou a sua história
na beira de um rio

Estes brejos amanhecem
amarrados
de conchas

Ao lado de uma lata
de uma pedra
estou conforme.

Passarinhos do mato
gostam de mim
e de goiaba.

Cavalos entardecem
na beira do mato -
onde entardeço.

Uma rã me benzeu
com as mãos
na água.

O silêncio
está úmido
de aves.

Manoel de Barros
(livre edição)


 
Foto de Natásha Fernández

"Doncovim, Proncovô - A história de Juca Parnaúba Pirambeira Pirapora e suas andanças pelo mundo a fora"


Com Ricardo Celidônio e Daniel Viana 
Texto, direção e cenário Rita Carelli
trilha André Hosoi
luz Miló Martins
bonecos Virgilio
objetos de cena Maria Cecilia Meyer
Rua Amador Bueno, 505
16/02, 09/03 e 23/03 as 17hs.