"Nossa vida é suja e grosseira. É uma grande felicidade quando o homem,
nesse mundo imenso, encontra uma casa, um apartamento ou mesmo um
simples metro quadrado, onde ele pode, por nada além de um momento, se
isolar do resto do mundo e se alimentar de sentimentos elevados e de
impulsos de alma. Esse local limpo, talvez o altar para o
eclesiástico, a universidade, a sala de conferências ou a 'cadeira' para
um professor, a biblioteca, seu posto de trabalho ou um laboratório
para um cientista e para um pintor, seu ateliê, para a mãe afetuosa, o
quarto do seu filho, para um ator: o teatro e o palco.
Devemos
proteger esses locais santos de tudo o que poderia poluir nossas
alegrias espirituais. Não devemos sujá-los, nem enlameá-los. Pelo contrário. Devemos levar para esses lugares tudo o que há de melhor na alma humana. É espantoso, mas no teatro, observamos nos atores, por vezes, o
movimento inverso. Eles levam para o teatro todos os seus sentimentos
ruins, eles sujam e enchem de lama o local que deveria continuar limpo
para a felicidade deles, e em seguida, eles se espantam que a arte e o
teatro não tenham mais nenhum efeito sublime sobre eles. Se é assim,
é por causa da ausência de toda disciplina artística. Antes de tudo,
essa última deve conservar no ator o respeito pelo lugar e a estima com
relação ao seu trabalho. Não podemos cuspir no altar e em seguida rezar
sobre seu solo sujo. Talvez seja melhor cuspir antes de ir ao
templo, depois se enxugar e chegar totalmente limpo, lá onde a beleza
física e espiritual é indispensável.
Para que seja assim, devemos
antes desenvolver no aluno o respeito pelo teatro e a estima da cena, do
mesmo modo que um altar. O ator deve sentir o limiar e a proximidade da
cena. Desde a infância somos fascinados pelo altar e pelas 'portas
reais'. Não podemos transpô-los sem um certo medo. Isso, o ator deveria
sentir desde que ele pisa em cena."
Constantin Stanislavski
Notas Artísticas (trecho)
*esse texto costuma ser lido antes de algumas oficinas do Theatre du Soleil.