quinta-feira, 31 de janeiro de 2013

"Doncovim, Proncovô"

Dia 16 de fevereiro estréia o espetáculo do amigo Ricardo, que me pediu para dirigi-lo e ainda encomendou um texto. Queria falar do seu amor pela roça, para os pequenos. Como, onde, porque? Não sabia bem, mas sendo artista de circo era bom que tivesse saltos, malabares, mágicas e outras peraltices! Disse sim. Também não sei ao certo o porquê. Talvez pelo mesmo motivo dele, esse que nos compele a mexer, nos meter em enrrascadas e, lá no fundo delas, encontrar um tesouro, mais precioso do que agente poderia prever. O tesouro pode ser: um galinho seco, uma pedrinha, uma asinha de mosca. No caso de peça: um tropeço que faz rir, um acorde que soa bonito, um cansaço no canto da boca que traduz, sozinho, aquilo que agente queria dizer.

No começo sofri - como é do meu feitio! - fui falar com meu avô, que é artista (e caipira!) : 
- Vô, conta pra mim, como é que faz arte de encomenda?
- Uai, mas aí eu vou ter que te contar a história da Arte! Encomenda sempre foi motor de artista...
É verdade. E toca ler Guimarães Rosa, e toca ver filme de Mazzaropi e toca ver Marvada Carne, e toca aprender história de saci, de mula-sem-cabeça, dormir debaixo de estrela. E toca aprender uma infância que eu mesma não tive, mas que surpresa: se inventou inteira dentro da gente! E o trabalho do artista não é mesmo esse: virar solo pra plantar semente?

Mas falar do trabalho dos outros é mais fácil do que falar do próprio trabalho. Falar do trabalho dos outros é mais fácil (os críticos que me perdoem) do que fazer o próprio trabalho. Empresto então palavras de Manuel, não porque acho que traduzem o nosso trabalho - longe disso! - mas por que traduzem, um pouco, do  nosso sonho. Dessa visão primeira que, para mim, enquanto diretora, faz nascer uma peça: neste caso uma luz de amanhecer, um pio de coruja, um canto de galo, um cheiro de café e estrume. O resto são percalços.  

Sou aquele
que gastou a sua história
na beira de um rio

Estes brejos amanhecem
amarrados
de conchas

Ao lado de uma lata
de uma pedra
estou conforme.

Passarinhos do mato
gostam de mim
e de goiaba.

Cavalos entardecem
na beira do mato -
onde entardeço.

Uma rã me benzeu
com as mãos
na água.

O silêncio
está úmido
de aves.

Manoel de Barros
(livre edição)


 
Foto de Natásha Fernández

"Doncovim, Proncovô - A história de Juca Parnaúba Pirambeira Pirapora e suas andanças pelo mundo a fora"


Com Ricardo Celidônio e Daniel Viana 
Texto, direção e cenário Rita Carelli
trilha André Hosoi
luz Miló Martins
bonecos Virgilio
objetos de cena Maria Cecilia Meyer
Rua Amador Bueno, 505
16/02, 09/03 e 23/03 as 17hs.